
Belo é o que emociona, mexe conosco, seja pelo êxtase, pelo incômodo, pela admiração, pela alegria, pela meditação, pela vibração. Por isso, para nós, o belo é sagrado, pois o sagrado é o que faz a vida vibrar em nós, e nos leva a respeitar o Mistério.
Mario Sergio Cortella
Em 1985 nosso insubstituível Milton Nascimento lançou o álbum Encontros e Despedidas, em que gravou canção do mesmo nome, composta em parceria com Fernando Brandt. Desde aquela época, ao ouvi-la ou cantá-la, vem a mente nosso trabalho em educação escolar, especialmente quando nos encontramos nos eventos, nas escolas, nas reuniões, nos sindicatos, pelas ruas etc.; pela via, enfim.
Não consigo fruir esta música sem imaginar-me na escola (qualquer uma delas pelas quais passamos na vida), com colegas, olhando o movimento, a turbulência, os ruídos e os silêncios; o verso longo que mais me faz reviver o torvelinho escolar, com encontros e desencontros,
chegadas e partidas, saudações e despedidas, é: “Todos os dias é um vai e vem / A vida se repete na estação / Tem gente que chega pra ficar / Tem gente que vai pra nunca mais / Tem gente que vem e quer voltar / Tem gente que vai e quer ficar / Tem gente que veio só olhar / Tem gente a sorrir e a chorar”…
Essa melodia me traz certa paz interior, aquela prazerosa sensação mental – ainda que provisória – na qual há uma aparente suspensão do fluir do tempo, permitindo um distanciamento das aflições cotidianas e uma recusa momentânea às perturbações que o existir nos oferta.
Nossa existência é gratuidade; sabemos isso, sentimos isso. Existimos, cada uma e cada um, sem que aja uma razão explícita e evidente desde o princípio e sem que nos digam o que somos. A vida, nossa vida, mescla virtudes e vícios, desejos e necessidades, bens e males; enquanto vivemos procuramos afastar o sofrimento e procuramos incessantemente a paz de espírito e o repouso da mente que tudo sente e nem sempre tudo entende.
Qual a mais fulcral das nossas inquietações? Pode parecer excessivamente abstrata, mas está lá, desde a nossa origem como espécie consciente: Por que é que existe alguma coisa em vez de nada? Ou seja, por que tudo existe, no lugar de não existir?
A essa indagação a humanidade procura responder há milênios e há quatro grandes fontes que inventamos para construir a resposta: a Ciência, a Filosofia, a Arte e a Religião. A Ciência procurando os “comos”, a filosofia à cata dos “porquês”, a Arte e a Religião escavando as “obras perenes”.
Sofrer, participar, aproveitar, padecer. Depois, como tudo o que vive, deixar de viver? O que gritam a Arte e a Religião? Existir em direção ao provisório, ao passageiro, ao transitório? Não faz sentido!
Mas precisa fazer sentido, pois, do contrário, vida sem razão, sem porquês, sem beleza? Beleza? Sim; o belo é o que nos dá vitalidade, nos fluidifica a vida; o belo garante menos provisoriedade, pois parece que quando diante dele o tempo cessa e agarramos o instante para que nada mais flua além do momento pleno. Isso vai desde uma “bela pessoa” até uma “bela macarronada”, passando pela “bela paisagem”, “belo dia”, a “bela oração”, a “bela música”, a “bela aula”, a “bela escola”.
Belo é o que emociona, mexe conosco, seja pelo êxtase, pelo incômodo, pela admiração, pela alegria, pela meditação, pela vibração. Por isso, para nós, o belo é sagrado, pois o sagrado é o que faz a vida vibrar em nós, e nos leva a respeitar o Mistério.

Mario Sergio Cortella
Filósofo e escritor, com Mestrado e Doutorado em Educação, professor-titular da PUC-SP (1977-2012). Foi secretário municipal de Educação de São Paulo (1991-1992). Articulista e comentarista de diversos programas de rádio e TV.