O termo autocuidado nunca esteve tão em voga nas mídias como nos deparamos nesse momento, na era da hiperconectividade.

São tantas propagandas de produtos e serviços sendo associados ao conceito de autocuidado, e atrelados à promessa de beleza, quando não somente à saúde e bem estar, que estes últimos por vezes, acabam se perdendo dentro do próprio conceito.

De modo a desmistificar esse tema, apresento a seguinte questão: O que é autocuidado?

Segundo, a World Health Organization (WHO), autocuidado em saúde refere-se a atividades que indivíduos, famílias e comunidades realizam com a intenção de melhorar a saúde, prevenir doenças, limitar enfermidades e restabelecer a saúde. Essas atividades são derivadas do conhecimento e das habilidades adquiridas tanto pela experiência profissional quanto pela experiência leiga, ou seja, mediante as trocas entre pessoas comuns no cotidiano.

Diferentemente da maneira como o termo autocuidado vem sendo veiculado nas mídias – no que tange à adoção de um conjunto de práticas relacionadas única e exclusivamente ao cuidado consigo mesmo, como: dieta alimentar saudável, diferentes modalidades de atividade física, rotina do sono, do cuidado estético, meditação, psicoterapia, dentre outros –, a WHO apresenta um modo de cuidado ampliado, que abarca não somente esses aspectos, mas também enfatiza a importância de compartilhar conhecimentos através da troca, das vivências e experiências em todas as fases do desenvolvimento humano.  

Nesse sentido, podemos pensar sobre a construção da nossa própria identidade. Ao longo da nossa trajetória de vida, desde o nosso nascimento, vamos nos constituindo por meio das nossas relações, relações estas de cuidado, uns com os outros, em seus diferentes modos e contextos.

Quando olhamos para a nossa história como alunos no contexto escolar, sejamos família ou profissionais da educação, temos lembranças das nossas relações, sejam familiares, com colegas, e também de outros agentes que participaram ou ainda participam de algum modo das nossas vivências, do que construímos juntos, dos nossos alcances e limites, dos desafios, das comemorações em datas festivas, das excursões, das reuniões entre pais e mestres, e em suma, dos afetos envolvidos em cada relação.

O tempo muda e a constituição do contexto escolar também se modifica conforme o mundo se modifica, apresentando novas tecnologias, desafios e dinâmica. Mas há algo que permanece: a necessidade do afeto, do olhar gentil, dos gestos generosos, do sentimento de pertencimento, do acolhimento, da possibilidade de ser quem se é na relação com o outro, e através das lembranças e aprendizados, que são partes constitutivas daquilo que somos e fazemos, tornar a presença na ausência. Todos esses são aspectos   inerentes à condição humana, sejamos crianças, adolescentes ou adultos. Não há o que substitua o calor humano. Estamos falando aqui de cuidado.

Cuidar do outro e da família também é cuidar de si.  Cuidado é presença. Cuidado também é presença na ausência.

Quando adquirimos hábitos em relação ao cuidado com a higiene pessoal, a vestimenta, o zelo pelos nossos pertences, estamos não apenas cuidando de si, mas também em relação à maneira como nos apresentamos ao mundo e desse modo também cuidando do outro quando partilhamos de um mesmo ambiente em comum.

Para além disso, quando estabelecemos conexões, compartilhando saberes e práticas, estamos consolidando o cuidado. Dessa maneira, no que tange à dimensão do universo escolar, alunos, famílias e educadores são agentes ativos e transformadores no processo de escolarização.

A importância dos papéis dos diferentes agentes no processo de escolarização, como a transferência do conhecimento historicamente acumulado por meio da Instituição Escolar e a transferência do estilo de vida, dos valores, dos sentimentos de responsabilidade pelo contexto familiar, fazem parte desta teia do cuidado.

A experiência de um coletivo nos espaços de convívio é uma possibilidade de fortalecimento das relações que amplia a perspectiva de diálogo acerca do autocuidado, além de manter o vínculo e dar continuidade a troca de saberes e empatia, permitindo-se colocar no lugar do outro e de ressignificar as relações, aprendendo a separar o que é meu e o que é do outro.

A interação com os pares é uma possibilidade de descobertas sobre nossas próprias atitudes, valores e habilidades, além de possibilitar o desenvolvimento de um autoconceito mais realista, de se reconhecer e compartilhar os sentidos daquilo que se vive. Somos afetados e nos afetamos mutuamente nos ambientes e com as pessoas com quem nos relacionamos.

Desse modo, o intuito não é trazer caminhos, receitas prontas de como lidar melhor consigo mesmo e com os outros, mas de nos colocarmo-nos a pensar sobre:  O que tem orientado as nossas ações de cuidado? O que pode servir de diretriz para as nossas decisões? O que é preciso para realizar os nossos objetivos e o que tem impedido tal realização? Quais lembranças gostaríamos de levar conosco e de deixar com aqueles com os quais convivemos?

Encerro com o trecho da música Wave, de Tom Jobim:

“Vou te contar.

  Os olhos já não podem ver.

  Coisas que só o coração pode entender.

  Fundamental é mesmo o amor

  É impossível ser feliz sozinho […]”

 Referências:

World Health Organization. (2009). Self-care in the Context of Primary Health CareReport of the Regional Consultation Bangkok, Thailand, 7-9 January 2009.

Simone de Siqueira Gonçalves Pelegrini  – CRP: 06/181087

Psicóloga Clínica pela Perspectiva Fenomenológica Existencial 

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